Visão de mercado: os desbravadores do metal brasileiro

Antes do Sepultura, algumas bandas brasileiras de heavy metal já pensavam em vingar no exterior

Sweet Revenge (1983), do Karisma, primeiro disco do metal brasileiro com letras em inglês
Sweet Revenge (1983), do Karisma, primeiro disco do metal brasileiro com letras em inglês

O trio andreense Karisma, primeiro grupo brasileiro de heavy metal a gravar um disco com letras em inglês, “Sweet Revenge”, não conseguiu chegar ao segundo álbum. Ficou marcado pela visão de mercado, pois em 1983 já pensava em atingir o mercado externo. Quem também tinha esse pensamento e teve uma atitude corajosa foi o grupo paulistano Cérbero. “Nunca conversei com nenhum dos integrantes do Karisma mas, pelo que parece, estávamos com o mesmo objetivo: entrar no mercado internacional. Isto teria sido praticamente impossível se as letras fossem em português”, recordou o guitarrista Marco Tonalezzi.

Formado em 1980, o Cérbero tinha como objetivo tocar o metal mais rápido e pesado possível. Além das composições autorais, Sérgio Gonçalves (vocal e baixo), Marco Tonalezzi e Carlo Tonalezzi (guitarra) e Tony Fontão (bateria) ainda tocavam covers de Anthrax, Metallica, Anvil, Raven, Motörhead, Iron Maiden e Manowar. Com a boa resposta do público, em shows concorridos em locais como Fofinho Rock Club e os hoje extintos Rainbow Bar, Teatro Lira Paulistana, Carbono 14 e Clube Aeroviários, veio o convite de Luiz Calanca, da loja e selo Baratos Afins, para integrar o segundo volume da coletânea “SP Metal”.

Cérbero em ação no Rainbow Bar (SP) | Foto: arquivo cerberometal.com
Cérbero em ação no Rainbow Bar (SP) | Foto: arquivo cerberometal.com

Vislumbrados pelo que tinham visto na primeira edição do festival “Rock in Rio”, em janeiro de 1985, os músicos optaram por tentar a sorte no exterior. “Pensávamos em uma carreira internacional desde quando formamos a banda, em 1980. O Rock in Rio foi o catalisador que tornou nossa vontade de tentar entrar no mercado internacional simplesmente irresistível. Foi a famosa ‘gasolina na fogueira'”, justificou Tonalezzi.

Apesar de ter sido substituído pelo Korzus em “SP Metal II”, o Cérbero jamais saiu da memória dos fãs. Bem antes de o Sepultura se arriscar fora do Brasil, os músicos venderam todos os seus equipamentos e mudaram-se, em março de 1985, para Nova Iorque. Trabalharam em lojas de música da rua 48 e moravam a cinco quarteirões do L’amour East, clube onde assistiram a vários grupos de renome. “Não houve muito planejamento. A banda estava em um momento muito bom, sabíamos que instrumentos por lá eram relativamente abundantes e baratos. Tínhamos alguns amigos em Nova Iorque, que sempre teve uma boa cena hard rock e metal. O Madison Square Garden está lá, ora bolas”, enfatizou o guitarrista.

Cérbero deixou o Brasil em 1985 e foi tentar a sorte nos EUA | Foto: arquivo cerberometal.com
Cérbero deixou o Brasil em 1985 e foi tentar a sorte nos EUA | Foto: arquivo cerberometal.com

Meses depois de chegar aos Estados Unidos, eles aguardavam uma nova oportunidade para que o baixista e vocalista Sérgio Gonçalves, que teve seu visto de entrada negado, tentasse novamente uma autorização. Um ano depois, o visto foi mais uma vez negado. Eles, então, dissolveram a banda, que deixou registrado o álbum “Pirata Oficial”, gravado ao vivo no Rainbow Bar, em 1983. O lançamento em CD ocorreu para marcar os vinte anos do último show do grupo no Brasil, no clube dos Aeroviários, em frente ao aeroporto de Congonhas. “Os seguidos vistos negados do Sérgio foram cruciais pois, obviamente, o mercado musical americano sempre foi extremamente competitivo e difícil de entrar. Imagine, então, para uma banda recém chegada do Brasil e sem baixista (e vocalista)”, analisou Tonalezzi.

Cartaz de show do Cérbero no Aeroviários
Cartaz de show do Cérbero no Aeroviários
Karisma participou do Cometa Rock Festival, evento produzido por Antonio Celso Barbieri e Oswaldo Vecchione (Made in Brazil)
Karisma participou do Cometa Rock Festival, evento produzido por Antonio Celso Barbieri e Oswaldo Vecchione (Made in Brazil)
Cartaz da turnê do Santuário pela Colômbia, em plena fase de Pablo Escobar
Cartaz da turnê do Santuário pela Colômbia, em plena fase de Pablo Escobar

Dividindo uma sala de ensaios com outra banda em um dos ‘music buildings’ de Nova Iorque, os irmãos Tonalezzi e o baterista Tony Fontão seguiam atraindo a atenção. “Estávamos ensaiando, enquanto Sérgio tentava obter o visto. Várias pessoas batiam na nossa porta pedindo para assistirem os ensaios instrumentais que estávamos fazendo. Ou seja, mais uma vez ficamos empolgados pois, mesmo lá, estávamos atraindo a atenção e tudo indicava que, assim que conseguíssemos completar a banda, as coisas começariam a dar certo.”

O Cérbero está inativo desde então, mas ainda promete lançar um disco de estúdio. Segundo Marco Tonalezzi, o material, gravado com o vocalista americano Aerik Von (Lucifer Jones), está pronto e manterá as tradições do grupo. “Fora as dificuldades habituais enfrentadas por todas as bandas, também tivemos que lidar com o fato de que, quando começamos a gravar, eu, Carlo, Sérgio e Aerik Von estávamos morando em Nova Iorque e Tony estava no Brasil. Mas, resumindo, nosso objetivo é para abril deste ano”, concluiu o guitarrista.

As bandas de heavy metal, que estavam ativas ou as que surgiram em meados dos anos 1980, já tinham como objetivo conseguir algo no exterior. Se o Karisma gravou um disco em inglês e o Cérbero se mudou para os Estados Unidos, o primeiro a tocar no exterior, no entanto, foi o Santuário, criado em agosto de 1982 na cidade de São Vicente, litoral de São Paulo.

Após participar da segunda edição da coletânea “SP Metal”, o grupo foi forçado a alterar a sua formação. O vocalista Julio Michaelis Jr., já falecido, passou por problemas de saúde e teve de se afastar. Para fazer uma excursão na Colômbia, a primeira de uma banda heavy metal brasileira do underground ao exterior, veio Nilton “Cachorrão” Zanelli (ex-Aerometal), que depois fez fama no Centúrias. “Foi um ato de coragem, ousadia e principalmente… inconsequência! Em 1986, Medellín vivia o ápice do tráfico com Pablo Escobar, mas nem pensávamos em riscos, apenas queríamos tocar”, revelou o guitarrista Ricardo “Micka” Michaelis. “Em 2017, faremos uma grande surpresa aos fãs, pois comemoraremos 35 anos de uma forma inusitada e estas histórias serão reveladas em detalhes a todos”, completou o músico, que idealizou e dirigiu o documentário/filme “Brasil Heavy Metal” (2016).

Propaganda Santuário na Colômbia
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Com o passar dos anos, algumas bandas do estilo efetivamente vingaram e têm uma carreira sólida fora do Brasil, como Sepultura, Angra e Krisiun, mas muita gente nem faz ideia de que “Sweet Revenge”, do Karisma, a atitude do Cérbero e a coragem do Santuário, indiretamente, também têm parte nisso.

Santuário em turnê na Colômbia - Foto: Arquivo Pessoal/Ricardo Micka Michaelis
Santuário em turnê na Colômbia - Foto: Arquivo Pessoal/Ricardo Micka Michaelis
Colômbia, local da primeira excursão de uma banda heavy metal brasileira do underground ao exterior | Foto: Arquivo Pessoal/Ricardo Micka Michaelis
Colômbia, local da primeira excursão de uma banda heavy metal brasileira do underground ao exterior | Foto: Arquivo Pessoal/Ricardo Micka Michaelis

Veja:
Brasil Heavy Metal (2016, Documentário/Filme)
www.brasilheavymetal.com

Brasil Heavy Metal

Karisma - Stairway To Heavy (1983)

Santuário - Fiéis do Aço

Ouça uma prévia do álbum do Cérbero:

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