Andy Summers: muito mais que o ex-guitarrista do The Police

Em papo abrangente, descontraído e revelador, Andy Summers fala de suas várias facetas como pessoa e músico

A pluralidade de Andy Summers | Fotos: divulgação - Roland e arquivo pessoal

Uma das maiores alegrias que um jornalista de rock pode ter é quando uma entrevista rende muito mais do que o esperado. É claro que o inglês Andy Summmers é conhecido mundialmente, um músico que garantiu seu lugar na história com o The Police. Porém, na entrevista a seguir, o seu espírito de vanguarda, sua disposição para viajar pelo mundo, sua paixão por fotografia e pelo jazz fizeram desse papo algo de uma abrangência ímpar. É claro que sua ex-banda também foi assunto, com Andy reprovando totalmente o título do filme que conta a história deles: “Sobrevivendo ao Police? Isso é uma piada.”

"Triboluminescence": "o novo exótico" com muitos loops e espaço para improvisos e solos
"Triboluminescence": "o novo exótico" com muitos loops e espaço para improvisos e solos

Pude ouvir seu mais recente trabalho solo, “Triboluminescence”, e os sons, que você classifica como “o novo exótico”, estão muito inspirados. Como eles foram lapidados?
Andy Summers: Com muito esforço (risos). Não foi esperando para eles acontecerem. Eu gravei um álbum meio sem querer para uma banda nova que formei em Nova York e acabou não dando certo. Mas tinha as músicas prontas e acabei lançando como outro álbum solo, “Metal Dog” (2015), que foi muito bem recebido. Isso me animou a gravar sozinho novamente. Eu inventei esse nome “o novo exótico” porque estou trabalhando com algumas coisas diferentes, muitos loops e muito espaço para improvisos e solos. Tento fazer uma coisa própria, forçando os limites da guitarra contemporânea.

Qual é o objetivo maior dessas músicas? Apenas forçar as barreiras ou enxerga isso como algo para tocar ao vivo?
Summers: Essa é uma pergunta interessante. O objetivo maior é algo muito difícil de falar. Para mim, o processo de fazer as coisas é muito prazeroso. Vou ao meu estúdio em Los Angeles junto com meu engenheiro de som de muitos anos; depois, chamamos outras pessoas e vamos agrupando as partes das músicas através de experimentações. Às vezes, você está inspirado, em outras precisa de muito trabalho. Ainda há outras em que tem que parar de ouvir e, três dias depois, entende o que quer ou não gosta mais daquilo. Então, há muito trabalho, tempo e esforço mental para se chegar a nove músicas como essas.

Para você seria fácil cair na estrada e fazer um show com músicas do The Police. Por que gosta de se desafiar dessa forma?
Summers: Vou lhe dar uma resposta surpreendente: estar na estrada sem parar foi o que fiz minha vida inteira. Não aguento mais tocar em clubes, a não ser que a situação seja muito favorável, o que acontece. Quando estou na estrada, sinto que estou desperdiçando meu cérebro e talento. Eu gosto de ficar em meu estúdio e experimentar com esse tipo de música porque me desafia em vários níveis. Tenho que tocar muito bem, ser criativo na composição. Exige várias coisas de você como músico. O outro lado da moeda é que faz parte da sua carreira tocar para as pessoas e é como uma droga, eu jamais vou me livrar disso. Só não quero mais fazer tanto, porque não preciso provar mais nada. Agora, contradizendo essa declaração, vou ao Brasil no dia 24 (N.T: Andy Summers está no Brasil tocando músicas do Police ao lado do baixista Rodrigo Santos, do Barão Vermelho, e do baterista João Barone, dos Paralamas do Sucesso) para uma turnê de três semanas. Mas vou tocar com dois músicos fantásticos que são muito influenciados pelo Police. Então, eu vou fazer isso, mas apenas porque já fui tantas vezes ao Brasil, que é uma situação muito confortável para mim. As casas de show são fantásticas, então é quase como férias remuneradas. É muito divertido.

Uma das coisas que faz quando está na estrada, e imagino que fará no Brasil, é que leva sua câmera e gosta de tirar fotos. Você, inclusive, faz exposições, como a “The Bones of Chuang Tzu”, com fotografias da China, que serão lançadas em um livro. O que isso traz a você e qual o seu objetivo explorando este lado de sua criatividade?
Summers: Essa é uma boa pergunta. É claro que minha vocação principal na vida é a música. Nasci para ser músico, mas amo fotografia. O tipo de fotos que gosto de tirar me proporcionam emoções que me levam para o mundo e para situações em que eu nunca me senti tão vivo. A questão é que quando você está fotografando tem uma ideia e, daí, quando vê as fotos, tem que organizá-las, escolher as melhores e deixá-las de uma forma que façam sentido. É muito parecido com música, pois quando você tem que juntar as partes para formar uma composição há muito trabalho envolvido nisso. Então, são duas coisas: é algo que exige muita criatividade e adoro estar pelo mundo fotografando. Hoje isso se tornou muito mais divertido para mim do que ficar tocando por clubes. Nunca vou parar de fazer música, mas não sinto que tenha que ir para Akron (N.T.: cidade do estado americano de Ohio) tocar em um clube.

Uma das coisas que me chama a atenção sobre suas fotografias é que são sempre em branco e preto; pelo menos a maioria é assim. Por que apenas esse contraste e nunca fotos coloridas?
Summers: Essa é uma das perguntas mais antigas que existe. Se você olhar a história da fotografia, a cor era menosprezada como arte até o início dos anos 1970, quando começou a ser aceita. Para mim, pessoalmente, o preto e branco sempre foi, e digo isso com muitas exclamações, muito poderoso! Não sei por que, mas as coisas retratadas em branco e preto sempre me pareceram ter mais força. Isso era visto como uma verdade uns cinquenta anos atrás, continua sendo verdade para mim e muitos fotógrafos preferem tirar fotos assim. Na verdade, vou dar uma declaração: fotografia é preto e branco. Fazer imagens é colorido.

A paixão pela fotografia

Quando se começa a viajar pelo mundo, percebe-se que as pessoas são iguais, não existe ninguém tão diferente que pareça um alienígena de outro planeta” – Andy Summers

O que acho interessante na sua arte é que quando se ouve “Triboluminescence” e se olha as fotografias, elas são preto e branco, mas seus álbuns solo têm muitas camadas. Há texturas de várias “cores” musicais, se posso usar essa expressão.
Summers: Quanto mais eu fotografo e melhoro nisso e mais faço música abstrata; os dois parecem se juntar no que eu tento expressar. Esse livro que finalizei “The Bones of Chuang Tzu” é relativamente abstrato. Não são fotos de pessoas na rua e sim uma tentativa de extrair fotos artísticas da China. Mas acho que a música que faço é obscura e intensa, não é música pop alegre. É muito mais interessante e, em alguns casos, mais estranha. Estou pensando sobre o que você disse, porque não gosto de pensar que faço música monocromática… Pelo amor de Deus, não!

Não, mas se você a mantiver simples…
Summers: Mas é mais obscura, em tons mais baixos. São simplificações, mas a atitude na música, a abstração, as escalas que toca, isso não é música como as outras, especialmente as texturas que tento criar com os loops, são complexas e não saem do nada. Trabalho muito nelas.

Isso é um tipo de rebelião contra o que o The Police fez? A banda foi muito bem sucedida, tinha singles na ‘Hot 100 Singles’ da Billboard toda hora, turnês enormes… Isso é uma rejeição ao Police?
Summers: Não, não. Tenho um enorme orgulho de tudo que o Police fez! Quem mais no mundo teve uma trajetória como a nossa? Dominamos o mundo por sete ou oito anos e, no final das contas, vendemos 100 milhões de álbuns. Éramos muito bons no que fazíamos. Então, fora cantar, que era uma coisa que eu não fazia, por que eu tentaria fazer de novo, sendo que sempre ficaria aquém do Police? A banda foi um fenômeno, uma química que jamais será igualada. Sinto que tenho que compor músicas diferentes daquelas. Cresci um fanático por jazz e mais tarde fui me interessar por rock e blues. Então, o que faço agora é quem eu sou de verdade. Tentar fazer o que fiz antes seria ser falso comigo mesmo.

Durante e no final da turnê de reunião do The Police você disse que havia um sentimento de encerramento. Depois, voltou atrás e falou que encerramento dava a sensação de ficar preso num museu e que não estava pronto para ficar preso nele.
Summers: Sim, eu me arrependo de ter usado a palavra enceramento por causa do sentido de fim que a palavra tem. É meio bobo e, ao mesmo tempo, meio que diminui tudo que conquistamos. E também quer a gente toque de novo junto ou não – provavelmente não –, gosto de pensar na banda como uma entidade viva. Eu não sou e nenhum de nós é um ex-Police. Foi assim que escolhi encarar isso e não como algo morto e enterrado.

E nem deveria. A música ainda vive, escutamos composições de 50, 100 anos atrás…
Summers: Sim, eu não sei por que, mas a música do Police está em todos os lugares. Eu a ouço em elevadores, restaurantes, lojas… Me deixa impressionado como isso continua sem parar.

A expressão é prosaica, mas não é de fritar os miolos que você tenha tido um impacto tão grande… Eu não queria dizer na humanidade, mas…
Summers: (risos) Faça isso!

É porque a música toca mesmo as pessoas, alcança a alma, é uma coisa poderosa.
Summers: Com certeza, obrigado por dizer, porque acredito mesmo nisso. Eu odeio dizer, mas transformamos a vida das pessoas de verdade. Vi pessoas soluçando de tanto chorar. Passamos por coisas incríveis, abençoamos bebês, mudamos países. No período que tivemos, as pessoas eram absolutamente obcecadas por nós. A garotada hoje não entende isso, mas foi há muito tempo e foi algo transformador. A banda teve um efeito enorme no mundo na época!

Olha, eu cresci nessa época e o The Police era parte da trilha sonora de tudo que estava acontecendo. Porém, quero voltar ao ano em que nasci: 1968. Eric Burdon and The Animals e o álbum “Love Is”, em que você tocou em “Coloured Rain”, que traz um solo de 4 minutos. Isto foi em uma época em que as rádios diziam para os Beatles e para as bandas para fazerem músicas de 2 minutos e meio e não enrolarem.
Summers: Sim, na época era o solo de guitarra mais longo da história. Eu não o ouço mais há não sei quanto tempo, mas era o que curtíamos naqueles tempos. Eu morava em Laurel Canyon (no estado da Califórnia) no fim dos anos 1960. Acho que não preciso explicar que éramos todos bem “cósmicos” naquela época. É um reflexo daquele momento em particular. Foi a fase em que os solos começaram a se tornar maiores, nem mesmo o Eric (Clapton) estava solando por tanto tempo. Tinha pessoas como Coltrane (John Coltrane, saxofonista de Jazz), em Nova York, que fazia solos de 30 minutos. Era onde a música estava naquele momento. Então, era natural eu querer fazer um solo longo. Eu tocava muito bem e podia fazer. Digamos que era minha forma de ‘cantar’.

The Police: "um fenômeno, uma química que jamais será igualada"
The Police: "um fenômeno, uma química que jamais será igualada"

Sim, é que sempre me pareceu que você, como artista, tanto no novo álbum e com a fotografia como já naquela época, tinha um abordagem de vanguarda e de pensamento sempre para frente no que fazia. Você já mencionou o jazz e lançou o álbum “Green Chimneys: The Music of Thelonious Monk”. O que ele significa para você e o que o levou a fazer este álbum?
Summers: Como disse antes, dos meus 14 aos meus 19 anos eu queria ser guitarrista de jazz. Eu era apaixonado por isso e era o que eu queria tocar. Era considerada a música mais moderna, porque o rock do modo como nós conhecemos não existia. Então, a coisa mais descolada eram os músicos de jazz. Caras tocando de terno e gravata. Gerry Mulligan, Chet Baker, Miles. E como guitarrista gostava de Wes Montgomery, Kenny Burrell, Jimmy Raney. Depois comecei a gostar de Miles, Coltrane e Cannonball Aderley. E ainda lia Jack Kerouac, então entrei de cabeça naquilo tudo. Qual foi a pergunta mesmo? (risos). Comecei a viajar… (risos)

Eu falava sobre a importância de Thelonious Monk…
Summers: Ah sim, Monk. Quando eu tinha dezesseis ou dezessete anos, fui a Londres para vê-lo tocar em um show acho que com a Jazz Philharmonic e Dizzy Gillespie ou algo assim. Quando ele tocou, foi uma revelação para mim. O modo dele tocar resumia todos os EUA para mim. As frases, as dissonâncias. E isso ficou comigo. Eu nunca toquei muitas coisas dele, mas quando comecei a gravar álbuns solo e discos de jazz, pensei em fazer um só com coisas dele. Porque é difícil, não são músicas fáceis. Algumas são bem líricas e melódicas, mas a maioria é bem complicada. Foi um desafio musical interessante. Além de conseguir tocar, tem que transformar em algo seu e ainda fazer funcionar na guitarra. Passei seis meses testando as músicas na guitarra até conseguir gravar o álbum. Ainda há algumas que gosto de tocar.

Você se vê escrevendo uma sequência para “One Train Later” (N.T.: autobiografia de Andy, lançada em 2006)?
Summers: Para falar a verdade, sim. Não sei se uma sequência, mas haverá outro livro. Penso nisso o tempo inteiro. Venho escrevendo vários contos que são digamos, de humor negro. E em todos há uma guitarra envolvida de alguma forma. Isso é o básico. É um projeto no qual venho trabalhando há algum tempo e gostaria de finalizar.

Então, se é um livro de humor negro, não é um de memórias como o anterior…
Summers: Não, não. Não vejo a necessidade de fazer isso de novo. A autobiografia foi muito bem recebida e até virou filme. Mas senti a necessidade de escrever outro livro, só preciso do tempo para fazer.

Eu ia perguntar isso, porque você acabou de lançar um novo álbum, vai ao Brasil fazer uma turnê e, com certeza, levará sua câmera para tirar fotos, já que fez trinta ou mais exposições de fotografias. Qual o próximo passo? Há ainda algum desafio para você? Pensa em aposentadoria em algum momento?
Summers: Não, vou para o túmulo lutando! (risos). Olha, basicamente, é continuar fazendo tudo isso, pois não vejo isso acabando. O que pode me manter focado é escrever outro livro, mas devo viajar bastante esse ano porque estou preocupado com o estado do mundo, para onde as coisas estão indo. Vou voltar à China. É engraçado, nunca achei que fosse para a China na minha vida e agora parece que estou lá a cada cinco minutos.

Mas é legal que possa ir para lá agora, porque se voltarmos aos anos 70 e 80 e até onde eu sei, a não ser que você fosse Richard Nixon (N.T.: Richard Nixon foi o primeiro presidente americano da história a visitar a China, em 1972), eles não deixavam você entrar.
Summers: Não, não dava. Este é um assunto interessante porque vou muito para lá e sou um cara ligado em política e no que acontece no mundo. Vou muito a Xangai e é sempre agradável e incrível. É muito lindo e uma das cidades mais avançadas do mundo! Sempre começo por lá e você vê chineses muito abastados, com um nível de vida alto. Mas aí você vai para as outras partes e é bem diferente, mais como a China dos tempos antigos. Acho interessante quando estou nos vilarejos e percebo que não mudou tanto assim.

O que é estranho, porque sempre nos disseram que a China é comunista e lá é tudo igual para todo mundo.
Summers: Isso é tudo besteira. Eu tento explicar para as pessoas que a China tem uma reputação ruim no mundo ocidental, mas quando você vai lá e encontra o povo, eles são muito educados, gentis, amam os filhos, são muito engraçados, inteligentes. Têm essa reputação por causa do governo chinês, que é outro papo. É como em qualquer outro lugar. Quando se começa a viajar pelo mundo, percebe-se que as pessoas são iguais, não existe ninguém tão diferente que pareça um alienígena de outro planeta. Os chineses são sociáveis, amigáveis, possuem uma história incrível. Alguns dos maiores avanços da civilização começaram lá.

Sting, em primeiro plano, na lente de Summers
Sting, em primeiro plano, na lente de Summers

Você mencionou o filme – “Can’t Stand Losing You: Surviving The Police” –, que é cativante, mas em alguns momentos frustrante, porque há partes em que Sting (ex-baixista e vocalista do Police) dá entrevistas falando que a banda vai acabar…
Summers: É incrível, mas também é só besteira. Éramos muito amigos.

Mas o filme chama-se “Sobrevivendo ao Police”. Era ruim assim?
Summers: Isso foi uma questão comercial. O livro chama-se “One Train Later”. E esse deveria ser o nome do filme. Mas quando foi parar nas mãos da produtora, eles ficaram com tanto medo de como seria o desempenho comercial que puseram esse título. Não era o que eu queria. Sobrevivendo ao Police? Isso é uma piada. Cara, não foi ideia minha. Lutei contra isso.

Tudo bem, deve ter havido péssimos momentos, mas não pode ter sido tão ruim assim a ponto de fazer soar como se tudo tivesse sido horrível….
Summers: Eu tive mais dinheiro, mulher, fama e tudo mais que qualquer pessoa no mundo naquela época. O que é tão horrível sobre isso? São mitos criados pela indústria.

Eu sei que fazer uma nova turnê com o The Police é complicado, mas você gostaria de se juntar uma última vez a Stuart (Copeland, ex-baterista do Police) e Sting para gravar mais algumas músicas?
Summers: (enfático) Claro que sim! O problema é que não posso simplesmente pegar o telefone e falar com eles. Infelizmente, é complicado. Fomos uma banda que dominou o mundo na nossa época e depois se separou. Já é incrível que tenhamos feito a turnê de reunião. Mas quem sabe? A vida é cheia de surpresas.

É sempre bom falar que você nunca fará de novo porque quando faz pode vender os ingressos pelo dobro do preço (risos).
Summers: No final, tudo se resume a dinheiro. Tenho certeza que há muita gente que estaria envolvida na nossa situação e adoraria que fizéssemos de novo, porque é aí que está o dinheiro.

Andy Summers: forçando os limites da guitarra contemporânea
Andy Summers: forçando os limites da guitarra contemporânea

Transcrito e traduzido por Carlo Antico

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