Resurrection of the Night: vida nova para a música de Symphony of the Night

Wayne Strange e Tim Stoney, músicos experientes na indústria dos games, homenageiam a obra de Michiru Yamane em um dos grandes clássicos da franquia Castlevania

"Resurrection of the Night: Alucard's Elegy" está em estágio final de arrecadação no Kickstarter, podendo ser adquirido a partir de 15 dólares | Imagem: divulgação - Materia Collective

O álbum “Resurrection of the Night”, lançado no último dia 30 de outubro, surgiu vinte anos após o lançamento de “Castlevania: Symphony of the Night” (1997), game que além de levar a franquia para a nova geração de consoles, o PlayStation, foi um divisor de águas na história da luta entre a família Belmont e Dracula. A música daquele trabalho, composta por Michiru Yamane e com participações de Tomoko Sano, Akira Souji, Rika Muranaka e Jeff Lorber, agora é homenageada pelo norte-americano Wayne Strange e o britânico Tim Stoney. E eles ainda têm mais para oferecer: propuseram no Kickstarter um segundo volume, “Resurrection of the Night: Alucard’s Elegy”, que além de ir mais fundo na trilha sonora do game ainda tem a ambição de usar orquestra completa e coral nas gravações. Nesta entrevista, Wayne nos conta mais sobre o álbum, o novo volume – cuja arrecadação virtual será encerrada hoje – e sua carreira no mundo dos games, que inclui o projeto Video Games Live, sucesso no mundo todo.

Comecemos falando sobre o primeiro volume do “Resurrection of the Night”, que foi lançado em 30 de outubro e apresenta 13 músicas da trilha sonora do game “Castlevania: Symphony of the Night” rearranjadas e regravadas. Além da celebração dos 20 anos daquele clássico, o que mais motivou a ideia de lançar este álbum?
Wayne Strange: Há bastante tempo trabalhei com o Tim Stoney em um projeto bem similar a esse, em homenagem à trilha sonora do game Zelda, e naquela época descobrimos que Castlevania era um amor que tínhamos em comum. Combinamos que da próxima vez que fizéssemos rearranjos para um game, seria o “Symphony of the Night”. No início desse ano, em janeiro, Sebastian Wolff e eu nos encontramos na Magfest. Sabendo do meu amor pelos trabalhos da Michiru Yamane ele sugeriu que lançássemos um álbum para o Halloween, e assim começamos a trabalhar.

Wayne Strange | Foto: divulgação

Na minha juventude frequentei o Westminster Choir College, em Princeton (EUA), e a música sacra é muito forte nos meus alicerces” – Wayne Strange

“Resurrection of the Night” foi produzido, arranjado e orquestrado por você e Tim Stoney. Como foi a seleção de músicas, uma vez que nem todas da trilha sonora original do game estão presentes, e a divisão de quem cuidaria de qual?
Wayne: Sabe, é engraçado, você cria um planejamento seguro de quem fará o que, mas os imprevistos sempre acabam acontecendo. Seja o prazo chegando ou o simples fato de que um mês ou dois depois do começo você perceber que queria outra música ao invés daquela. Em linhas gerais, Tim é pianista, eu vocalista. Então, tipicamente, se uma música tem o foco em coral ou harmonias com quatro elementos, como “Requiem for the Gods”, meu nome é escrito nela; se é uma composição com base no piano, como a “Waltz of Pearls”, fica com o Tim. Em algumas ocasiões os esforços são combinados. Compartilhamos faixas aqui e ali para deixar tudo mais inspirado.

Os rearranjos de Resurrection of the Night adicionaram muita profundidade às composições originais, não apenas pela qualidade da produção e músicos participantes, mas também a personalidade inseridas por você e Tim. O quanto cuidadosos vocês foram para balancear o trabalho original de Michiru Yamane e a leitura pessoal?
Wayne: Esse tipo de balanço não é fácil, mas a trilha original de “Symphony of the Night” é muito abundante, com muita personalidade. Cada música parece ter algo novo a oferecer e foi apenas uma questão de deixá-la ser, fluir. Novamente usando a “Waltz of Pearls” como exemplo, ela tem o piano como coração e de uma forma bela, misteriosa e melancólica. Complementa muito o mistério de Orlox [N.R.: personagem do jogo], enquanto ao mesmo tempo nos leva a pontificar o destino amaldiçoado que um vampiro deve suportar. Então, nela, tivemos o foco na emoção ao invés da valsa em si. Eventualmente as cordas se juntam ao piano, exuberantes e lindas, indo e vindo. É claro que músicas como “The Illusionary Dance”, que foram relidas tantas vezes em tantos jogos, precisaram ser reimaginadas para oferecerem algo novo. Mas isso não aconteceu muitas vezes.

Outro caso é a “Requiem for the Gods”, que me impressionou muito. A original era angelical e triste, com um direcionamento mais para a música sacra. Como foi a ideia de adicionar a soprano solo Katelyn Isaacson e trazer para o coral um sentimento mais acapella?
Wayne: Fico contente em saber que gostou. Na minha juventude frequentei o
Westminster Choir College, em Princeton (EUA), e a música sacra é muito forte nos meus alicerces. Então, acho que é algo que está gravado em mim. Em teoria, esse estilo musical é basicamente um coral de quatro vozes, tendo uma como principal. Esse é um dos casos que, ao invés de tentar adicionar algo à composição é melhor deixar que ela respire e encontre o coração certo. Grooves graves de bateria não é algo que você ouviria no Requiem de Faure, por exemplo. E como estamos falamos disso, aproveito para exemplificar o quanto um coral real é tão essencial. Imagine o quanto mais autêntico tudo soaria com o coral cantando a letra como complemento do solo de Katelyn.

Com certeza. E outra música que me deixou muito feliz foi a nova versão para “I Am the Wind”. A original, com aquele arranjo para saxofone, era tão fora de contexto em comparação ao restante da obra. E o pior: ainda era a faixa de encerramento do jogo! Foi esse o real objetivo no rearranjo, colocá-la dentro de contexto?
Wayne: Exatamente. Me lembro quanto ouvi a primeira trilha sonora de “Kingdom Hearts”, o quanto fácil é converter uma música pop em uma orquestração. E essa foi justamente a minha base para o trabalho.

Capa da trilha sonora original de "Castlevania: Symphony of the Night"

O trabalho de Michiru Yamane é digno de toda a adoração e respeito do mundo. Ela merece ser considerada uma das melhores de todos os tempos em músicas para games” – Wayne Strange

A versão de “Enchanted Bwakquet” é bem diferente das demais, bem-humorada com a adição do The Bwak Choir.
Wayne: (risos) Sim, o Bwak Choir participa na maioria dos álbuns da Materia Collective. Estávamos trabalhando com 13 faixas, mas o número 13 tem mais a ver com o Halloween, não acha? Então queríamos pegar uma música que tivesse o potencial para esse tipo de versão sem que tivéssemos que repetir uma que já estava no track list. A versão séria dessa música será a primeira faixa de “Alucard’s Elegy”, “The Nightmare”. Quem ficou preocupado que estávamos a desrespeitando, nada disso, a versão certa estará no segundo álbum.

“Resurrection of the Night” foi lançado via Bandcamp e também está disponível na Apple Music, Google Play, Spotify e Deezer. Como tem sido a repercussão até o momento?
Wayne: Essa é uma questão que deve ser respondida com precisão por Sebastian Wolff [N.R.: produtor executivo], mas até onde sei tudo tem sido extremamente positivo.

E por que a versão do Spotify tem apenas sete músicas, enquanto o Deezer tem todas?
Wayne: Juro que não estou me esquivando, mas creio que o Sebastian responderia melhor isso, já que é o produtor executivo.

Vocês tiveram a autorização e bênção da Konami para “Resurrection of the Night”. Foi difícil?
Wayne: Não é mais tão difícil. Desde que você seja respeitoso e não tente fazer nada estranho, pode obter o que é chamado licença compulsória para música que foi publicada nos EUA. Em outras palavras, se houve um álbum de trilha sonora para um tema ou música é tecnicamente licenciável. Você, então, paga os direitos autorais. Mas, mesmo assim, o respeito é vital. O Sebastian passou os últimos seis ou sete anos enterrado em livros de direito relacionado a música, então estamos nas mãos mais capacitadas o possível.

Você sabe se a Michiru Yamane já ouviu as versões de “Resurrection of the Night”?
Wayne: Essa foi a pergunta mais difícil até agora. Espero que ela já tenha ouvido. Seria um sonho realizado para mim, mas certamente no momento ela está bem ocupada com “Bloodstained” [N.R.: “Bloodstained: Ritual of the Night”, novo jogo de Koji Igarashi, que terá trilha sonora de Michiru Yamane]. Se eu pudesse dizer algo a ela nesse álbum seria que os fãs não esqueceram tudo o que fez para Castlevania durante 14 anos. Enquanto os clássicos são mais populares, aqueles que conhecem mais a fundo sabem que ela é a face da música de Castlevania. O trabalho dela é digno de toda a adoração e respeito do mundo. Ela merece ser considerada uma das melhores de todos os tempos em músicas para games.

"Resurrection of the Night: Alucard's Elegy" terá versões digitais, em CD e em vinil | Imagem: divulgação - Materia Collective

O primeiro volume acabou sendo um álbum ‘best of’ em homenagem ao 20º aniversário do jogo. Já o segundo será mais focado na narrativa da história” – Wayne Strange

Agora vocês estão no estágio final de arrecadação da campanha no Kickstarter para o segundo volume de “Resurrection of the Night”, batizado como “Alucard’s Elegy”, e a ideia de relacioná-lo ao castelo invertido de “Symphony of the Night” foi brilhante! E querem dar um passo a mais ao usar gravações com uma orquestra completa e coral.
Wayne: Sim! O castelo invertido era algo grandioso naqueles dias, praticamente um jogo extra. Para os novos fãs, vale ressaltar que a internet ainda estava na sua infância em 1997, e tiveram algumas pessoas que por meses achavam que era o fim do jogo e sequer tinham ideia que existia um castelo invertido! Então, exatamente, a ideia foi tratar a campanha do Kickstarter como uma parte integrada da experiência do jogo. Juntamente com todos vocês estamos explorando cada centímetro do castelo, encontrando os ‘holy glasses’ e arruinando os planos de Shaft!

O que podemos esperar da seleção de músicas em “Alucard’s Elegy”?
Wayne: O primeiro volume acabou sendo um álbum “best of” em homenagem ao 20º aniversário do jogo. Já o segundo será mais focado na narrativa da história. Alucard presenciará sua mãe sendo queimada viva pela Igreja e moradores da cidade, e, então, lutará com a Succubus, que tenta manipular suas memórias. Ele confrontará Richter e depois o libertará do controle de Shaft. O castelo invertido descerá e ele presenciará a ressureição de seu pai, Dracula, que busca a destruição da humanidade pelo que fizeram com sua amada esposa. A lista das músicas pode ser encontrada aqui. Duas delas foram votadas pelos apoiadores e adicionadas à lista final.

Entre as recompensas oferecidas por vocês no Kickstarter, a mais alta, “The Lord of This Castle”, dá ao apoiador a oportunidade de se tornar coprodutor de uma faixa bônus oriunda da série Castlevania. Isso significa que pode ser de qualquer jogo da franquia?
Wayne: Sim, de qualquer jogo Castlevania, desde que a música seja licenciável – a maioria é, a Konami é muito boa com esses lançamentos! Muitas das recompensas mais altas são direcionadas para aspirantes a músicos de games que desejam uma experiência em primeira mão com um projeto de maior orçamento. É algo muito, mas muito, diferente de produzir sozinho em uma workstation de áudio digital. Existe metrônomos, preparação de partituras, orquestrações, cópias de partituras, sessões de Pro Tools, contato com instrumentistas, edições e assim por diante.

Para o vídeo promocional no Kickstarter vocês contaram com a participação de Robert Belgrade, que foi a voz original de Alucard no “Symphony of the Night” e isso é algo muito emocionante para os fãs.
Wayne: Sim, e isso foi porque esse álbum é sobre a história de Alucard. Perguntamos a Robert se ele poderia gravar algumas frases para nós e, sequer pedindo algo em retorno, enviou os áudios no dia seguinte! Ele é o melhor.

Castlevania é a minha franquia de games favorita e o que fizeram com a trilogia do NES foi incrível, ao conectarem de uma forma bem singular o gameplay, temática e música, mesmo com todas as limitações do 8-bits. Já “Symphony of the Night” é a grande celebração do gênero, ainda que sem um Belmont como protagonista. O que faz a franquia Castlevania tão especial, na sua opinião?
Wayne: São tantas as razões. Nos games clássicos, ok, talvez eu curta chicotear monstros. Que mal tem nisso? Eu era um garoto comum com desejos comuns. Além disso, Belmont é um nome legal! Entretanto, depois que o Iga [N.R.: Koji Igarashi] assumiu, Castlevania se tornou algo muito além de um jogo sobre monstros, sangue, vampiro e jargões de Halloween. A história passou a ser sobre o Dracula e o que o tornou o senhor das trevas. A vida do vampiro em geral, como seria viver por centenas de anos a mais do que as pessoas que ama e o que o tornaria depois de passar por isso várias e várias vezes. A Lisa não foi a única mulher que Dracula perdeu. Você se tornaria uma alma amarga e má ou optaria por honrar os entes queridos? É aí que reside a diferença entre Dracula e Alucard.

Fora da franquia Castlevania, quais são as suas trilhas sonoras de games favoritas?
Wayne: Entre as minhas favoritas estão “The Legend of Zelda”, “Kingdom Hearts”, “Ace Attorney” e os games clássicos de “Final Fantasy”.

O Video Games Live completou 15 anos e é um grande sucesso ao redor do mundo, com turnês e álbuns, inclusive com passagens pelo Brasil. Você poderia nos contar um pouco mais sobre o seu envolvimento no projeto?
Wayne: Tommy [N.R.: Tallarico, um dos criadores do projeto] e eu somos amigos há, provavelmente, doze ou treze anos. Quando nos conhecemos eu era apenas um garoto com um de CD demo, que entreguei para ele numa convenção na Filadélfia (EUA). Levou um longo, longo tempo constantemente trabalhando no que eu queria fazer até chegar ao ponto que ele poderia finalmente usar algo comigo. Mas ele e eu trabalhamos juntos muitos arranjos agora, como “Super Mario World”, “Cave Story”, “Ace Attorney”, “Top Gear” e várias outras que ainda não posso revelar.

Você também trabalhou em orquestrações e partituras para “Star Trek: The Video Game” e “God of War: Ascension”. Imagino que seja muito legal começar como um fã de games, se tornar músico e, então juntar as duas coisas tendo como trabalho?
Wayne: Tudo planejado! (risos) Não, brincadeira. Foram muitos golpes de sorte, timings perfeitos, para as oportunidades surgirem. A chave é perguntar, mesmo se você sentir que não tem chance. Se faça visível e se aperfeiçoe constantemente.

Para finalizar, como parte do Video Games Live, você já sabe o quanto os brasileiros são apaixonados por música, videogames e os dois juntos. Quer deixar uma mensagem para os fãs daqui?
Wayne: Claro! Vocês estão entre os fãs mais apaixonados do mundo e estabelecem um padrão para seguirmos. Espero que o nosso projeto seja um que possam acreditar. Por favor nos visitem no Kickstarter e me sigam no Twitter, em @WStrangeMusic. Muito obrigado!

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