Gene Hoglan: o relógio atômico do metal

Atualmente no Testament, influente baterista americano revelado no Dark Angel fala sobre novo DVD e várias fases de sua carreira

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O termo workaholic serve para definir vários músicos de qualquer estilo. Porém, quando se trata de metal, pode haver iguais, mas ninguém trabalha mais do que Gene Hoglan. Atualmente promovendo mais um trabalho de estúdio do Testament, “Brotherhood of the Snake” (2016), o baterista também toca no Death DTA, Zimmers Hole, participa do projeto Galaktikon, planeja um novo álbum do Dark Angel e ainda encontrou tempo para lançar um novo DVD solo: “The Atomic Clock: The Clock Strikes Two”. Foi para falar sobre tudo isso e ainda sobre a trajetória do Straping Young Lad que batemos um papo com ele.

Gene Hoglan - "The Atomic Clock: The Clock Strikes Two"
Gene Hoglan - "The Atomic Clock: The Clock Strikes Two"

Como foi produzir “The Atomic Clock: The Clock Strikes Two” e o que você quis passar com ele? Não quero chamar de vídeoaula porque traz entrevistas, histórias…
Gene Hoglan: Bem, assim como no primeiro “The Atomic Clock”, tentei fazer um DVD com um alcance mais amplo do que apenas uma aula. Principalmente, porque quero que outras pessoas também se divirtam com ele. Se você lança um DVD de bateria, isso quer dizer que é só para bateristas e todo resto das pessoas está excluído e sou um cara muito inclusivo em tudo que faço. Então, por que não fazer algo para quem é músico e não baterista ou ainda para quem nem é músico? Quando estava organizando esta edição, o legal foi que tive acesso às faixas dos instrumentos separadas de todos esses álbuns em que toquei: as guitarras “Dark Roots of Earth” do Testament, as de guitarra de vocal de Chuck (Schuldiner) e de baixo de Steve DiGiorgio do “Individual Thought Patterns” do Death, o mesmo com o Strapping Young Lad. E tento detalhar todas elas e mostrar como as toquei.

O que me impressionou a respeito do DVD é a qualidade da filmagem. Não é só uma câmera montada em um quarto. Era importante para você conseguir que ficasse esteticamente bonito?
Hoglan: Que ótimo, porque há um certo “quê” de “faça você mesmo” no que faço e tento melhorar em cada lançamento, como em uma banda. Foi tudo uma evolução natural do primeiro. Você sempre tem a esperança de que seu próximo trabalho seja melhor que o anterior. Ter muitas câmeras e a edição foi muito importante. Não tinha um script ou nada disso, só uma ideia do que eu queria, assim como acontece quando faço minhas clínicas. Eu até poderia usar algo com um roteiro bem definido, mas deixaria a coisa sem ‘swing’!

Sempre fui fascinado por bateristas e Peter Criss foi o primeiro músico que tive como ídolo. Falando nisso, Peter é ótimo, não?
Gene: Sim, ele é. Um baterista sólido que não é reconhecido. Acho que a primeira vez que todo mundo ouviu um ritmo shuffle foi em “Detroit Rock City”. Eu mesmo achei esquisito quando ouvi. Então, acho que não obteve o reconhecimento merecido, mas entendo isso. Ele era cercado de caras como Neil Peart (Rush), Carl Palmer (ELP), Bill Brufford (Yes), todos esses bateristas de progressivo, mas ele foi a porta de entrada para muitos de nós.

Ao vivo com Testament | Foto: Edu Lawless
Ao vivo com Testament | Foto: Edu Lawless

Ele não era um cara que parecia uma máquina tocando e mantinha o tempo perfeito, mas tinha suingue e feeling. O que é mais importante para você num baterista?
Hoglan: Sempre escolho o suingue. Os bateristas que eu gosto têm isso. Ter a precisão de um relógio suíço é maravilhoso e é uma qualidade importante de se ter, mas se puder ter mais do que isso… Uma precisão absurda é um cara tipo Phil Rudd (AC/DC), mantendo as coisas simples. Hoje em dia, a nova simplicidade e manter tudo bem acertado, sem erro, sólido e se puder expandir em cima disso, colocando uns improvisos e suingue, por favor, fique à vontade. Há caras como Mario (Duplantier), do Gojira, que tem muito suingue, muito tempero. Eloy Casagrande do Sepultura também tem isso pra caramba. Portanto, há muitos caras, especialmente os mais novos, que possuem essa precisão e eu admiro isso. Mas meus prediletos têm suingue e um pouco de estilo no modo como tocam.

Vamos falar sobre a Strapping Young Lad, ótima banda canadense onde você esteve por muitos anos. Qual foi a sua reação quando Devin (Townsend, líder da banda) simplesmente a deixou? Você nem ligou e partiu para outra ou falou: “Cara, temos algo legal aqui, o que está fazendo?”
Hoglan: Foi um pouco das duas coisas. Sabíamos que, continuando no Strapping, ele teria que renunciar ao que gostaria de fazer de verdade: Devin Townsend Band e Devin Townsend Project. Sempre soube que mesmo com tudo que fizemos no Strapping e o sucesso que conseguíamos, isso não o deixava feliz. Ele deixou isso bem claro enquanto a banda existia. Na prática, ele saiu após “City” (1997) e manteve eu, Jeb (Simon, guitarra) e Byron (Straud, baixo) para o seu projeto solo, que se chamava Devin Townsend “alguma coisa” na época. E quando voltou para fazer os outros álbuns, acho que foi porque sabia que nós três queríamos continuar com a banda. Então, durou mais cinco anos sem que ele fosse a pessoa mais feliz do planeta. Aí, ele pediu para nós uma pausa de mais uns cinco anos para voltarmos a fazer algo. Mas o tempo passou e não parecia que ele ia voltar, daí veio a parte de partir para outra e Devin foi uma grande influência na minha ética de trabalho em me promover. Foi quando resolvi lançar o primeiro DVD.

Acredita que, em algum momento, vão voltar para fazer só um show especial, mais um álbum ou quando Devin diz que acabou é porque acabou mesmo e ponto final?
Hoglan: Pessoalmente, estou disposto a qualquer coisa. Se Devin quiser fazer um show ou uma turnê especial, tenho certeza que nós três aceitaríamos na hora e daríamos um jeito de acontecer. Mas dada a minha agenda não seria antes de 2019. Antes eu perguntaria para ele o que deu errado na vida dele para ele querer voltar com o Strapping, porque é algo que explora muito o lado obscuro dele e o drena demais para que ele consiga fazer. Não acho que ele tenha mais cabeça para isso. Logo, se houver uma volta séria do Strapping significa que ele não está muito bem. Seria uma coisa sensacional que aconteceria às custas de um amigo estar em um estado mental ruim e ninguém quer ver um amigo assim.

Não, especialmente Devin, que é um cara tão legal. E como estão as coisas com o Dark Angel? Fiquei meio perdido procurando informações na internet depois de 2014…
Hoglan: Isso é porque estamos em silêncio, pois não temos nada de interessante para lançar ou noticiar. Vou avisar a todos assim que tiver algo. Jim Durkin (guitarra) e eu nos encontramos várias vezes nesses últimos anos para compor um álbum novo e temos ofertas a toda hora, mas é uma situação um pouco diferente para alguns de nós. Quando Jim saiu do Dark Angel em 1989, ele seguiu uma carreira lucrativa fora da música, que toma muito do tempo dele. E estou na estrada a toda hora. Eu e Jim descobrimos que compomos melhor quando estamos no mesmo espaço, os dois com guitarras e talvez uma bateria eletrônica, tocando juntos. Tentamos compor por Skype, ou mandando arquivos, mas a melhor forma é nos juntarmos. Se conseguirmos algumas semanas de folga e nos concentrarmos, podemos chegar a algum lugar. No momento temos umas cinco músicas prontas e veremos como isso vai evoluir. Temos a intenção de lançar um novo álbum e fazer uma turnê e estaremos todos empolgados com isso.

Gene Hoglan (primeiro à esquerda) ao lado do Testament | Foto: Gene Ambo
Gene Hoglan (primeiro à esquerda) ao lado do Testament | Foto: Gene Ambo

Eu diria que de todas as bandas que participa, essa é a que você tem mais carinho. Portanto, é mais gratificante em termos de visão, direção e como fazer a coisa toda.
Hoglan: Ah sim, com certeza. É muito mais divertido quando você tem uma opinião definitiva em um assunto e não apenas a opinião do baterista, mesmo porque toco guitarra há uns 100 anos (risos). Componho muito na guitarra. Como baterista, sou OK, mas como guitarrista, sou ótimo!

Você compõe tudo na guitarra e é o modo como aborda seus projetos. Fale como compõe e se, como guitarrista, você é ótimo – e disse isso em muitas entrevistas –, por que não forma uma banda igual ao Dave Grohl com o Foo Fighters para você ir para frente do palco e ser Gene, o frontman?
Hoglan: Vou lhe falar a razão exata porque ainda não fiz isso: ainda não tenho a estabilidade financeira que me possibilite tirar um ano de folga e não precise pensar em nada que não seja o Dark Angel ou um álbum solo. Quando tiver, vou fazer exatamente isso. Será uma tarefa árdua e vai me custar muito dinheiro. Mesmo meus dois DVDs são financiados por mim, tive uma pequena ajuda através de crowdfunding para o segundo, mas o custo da maioria dos meus projetos sai do meu bolso.

Vamos falar sobre o mais recente álbum do Testament, “Brotherhood of the Snake”. Muitos sites e revistas o colocaram como melhor álbum do ano ou pelo menos no Top 3, Top 5 ou Top 10. Vocês acharam, enquanto gravavam, que haviam feito algo especial?
Hoglan: Eu achei. Foi um trabalho árduo. Sei que Eric (Peterson, guitarrista) estava compondo de forma frenética há alguns anos, durante as turnês em seu quarto nos dias de folga. Quando teve quatro meses para pensar só nisso, conseguiu compor quatro ou cinco músicas excelentes e usou seu baterista do Dragonlord (projeto paralelo de Eric), Alex Bent, para fazer muitas demos. E Alex fez um grande trabalho! Tenho certeza que Eric mandou-o tocar no meu estilo, já que eu não estava disponível. Isso ajudou muito. Infelizmente, as versões que recebi das músicas eram mais antigas, já havia algumas modificações na hora que fui gravar. Por isso foi um desafio. O outro foi que, no início de 2016, tive que tocar umas datas no Japão com o Dark Angel, em seguida shows com o Zimmers Hole, 5 ou 6 semanas da turnê com Testament, Slayer e Carcass. No dia que essa última acabou, fui para a Europa fazer a turnê do Death e logo que ela acabou peguei o avião para a Bay Area para começar a gravar “Brotherhood of the Snake”. Duas semanas após a gravação, fui até Los Angeles para trabalhar no projeto Galaktikon, com Brendon Small (Dethklok), e no dia que terminei, peguei um avião para o Canadá para mais shows com o Zimmers Hole. Foram uns três ou quatro meses sem folga. Nesse período acho que passei somando tudo umas 22 horas em casa! O que importa é que, apesar de alguns momentos tensos no estúdio, eu disse para Eric que o álbum era ótimo e que os fãs iriam adorar. Parece que isto está acontecendo.

Você já participou de um projeto que tinha tão pouco a ver com quem você é, e simplesmente falou: “Olha, simplesmente não posso por meu nome nisso”?
Hoglan: Por sorte nunca estive numa situação em que tive que me retirar de algo, tipo, me disseram que seria uma coisa e aí era algo completamente diferente em termos de gravação. Houve alguns em que eu sabia no que estava me metendo e acabaram não sendo tão legais, mas aí também eu mesmo disse: “Pô, Gene, estava na cara que isso iria acontecer.” Quando eu estou num projeto, para mim o principal é que seja agradável. Se deixa de ser agradável, então não é mais para mim. Já passei por situações assim, mas aí você sai e vai fazer outra coisa.

Gene Hoglan | Foto: Chris A Photography
Gene Hoglan | Foto: Chris A Photography

Qual foi a importância do Death para a cena do metal em geral? Toda vez que se fala de metal extremo, tem que se tocar no nome do Death, é como se fosse um marco.
Hoglan: Totalmente. Eu não fico muito tempo analisando as coisas, mas isso foi algo que me ocorreu há não muito tempo. Digamos que está numa banda que saiba tocar um estilo de música que já existe, mas toca muito bem e é popular. Quando se trata de uma banda como Death, eu me lembro que desde o início da banda Chuck (Schuldiner, saudoso líder, vocalista e guitarrista) ficava incomodado em ser chamado de “The Godfather of Death Metal” porque todos consideravam o Death os criadores do death metal. Mas ele dizia que já ouvia gente fazendo o que ele fazia antes dele. Pedia para as pessoas direcionarem a atenção para alguns anos antes, para os caras que haviam criado aquilo de verdade. Ninguém ligou para isso, todos ainda diziam que ele havia criado aquilo. Depois, na época do “Human” (1991), havia bandas muito técnicas como o Atheist e Watchtower, mas “Human” contribuiu para mudar o estilo e criar o ‘technical death metal’. E depois, com “Individual Thought Patterns” e “Symbolic”, o Death ajudou a criar o ‘death metal melódico’. Logo, o Death deu sua contribuição na criação de três estilos diferentes! Algumas bandas sequer criam um, eles ficam em um estilo tocando bem e vão assim até o fim, mas não criaram nada. Então, isso é um mérito que dou ao Death e tenho orgulho desse fato. O Dark Angel ajudou a criar o thrash. Era o Dark Angel, o Venom e o Metallica tocando que se tornaria o thrash. Isso foi antes de eu entrar na banda. O legado do Death é que não há como você falar sobre alguns estilos de metal sem mencionar esse nome. Mérito ao Chuck. Por isso que quando fazemos os shows do Death DTA é sempre um tributo a ele. Acho importante que os músicos que tocaram com ele mantenham sua música viva. Esse é um dos casos em que o fato de ser agradável que falei anteriormente está totalmente lá.

Quando se fala com alguém como Gene Simmons, ele sempre cita que a banda sempre foi para conseguir mulheres e ganhar milhões de dólares. Bandas como o Death e o Dark Angel não são aquelas que estarão no Hot 100 da Billboard. Quais eram as suas motivações quando começou na música e quais eram seus objetivos na carreira? Era tocar o melhor metal de todos os tempos, ganhar um milhão de dólares?
Hoglan: Eu amava tocar e ouvir metal. Ainda amo metal. Falo sobre outros estilos pelos quais morro de amores, mas metal é, e sempre será, meu número um. É o padrão que sigo. Posso falar de Stevie Wonder e o quanto amo soul music, mas estará sempre em segundo lugar com relação ao metal. Minha motivação era estar sempre envolvido com metal de alta qualidade. Mesmo quando estava no Dark Angel e era o líder da banda, não queria que aquele fosse meu último grupo; queria fazer outras coisas, tocar com outros músicos, fazer parte de outras bandas. Não sabia onde isso iria me levar, mas o que sabia é que sempre lançaria discos de metal com qualidade. Se um dia olhar para minha discografia, não encontrarei nada ruim.

Você passou por algum momento em que pensou em ir para uma banda em que pudesse ganhar mais dinheiro ou sempre fez o que quis?
Hoglan: Eu pensei nisso outro dia. Por que estive em tantas bandas? Para os fãs passa a impressão que eu saio quando tenho vontade. Mas eu cresci tendo como ídolos caras que mudavam muito de banda, como Tommy Aldridge e Cozy Powell. Agora, se alguma vez pensei em entrar numa banda enorme que pagaria as contas para sempre? Olha, quando o Strapping começou a fazer sucesso, eu sempre tentei olhar para mim mesmo e tentei me tornar uma marca, não a banda, entende? Prefiro ser um músico independente, um cara como Carmine Appice, que não foi uma influência como baterista, mas de um cara que mudou muito de banda…

Com isso fechamos o nosso papo.
Hoglan: Posso acrescentar só mais uma coisa? A melhor forma das pessoas comprarem meu DVD é através do meu site: www.hoglanindustries.com. É a forma mais rápida e fácil!

Gene Hoglan | Foto: divulgação
Gene Hoglan | Foto: divulgação

Transcrito e traduzido por Carlo Antico

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