Apesar do título da turnê, “The Long Goodbye Tour”, Ian Paice não confirma que a banda vai acabar

Deep Purple | Foto: Jim Rakete

Muitas vezes nos pegamos criticando bandas que anunciam seu fim e não cumprem. Porém, esquecemos de levar em conta como deve ser difícil para alguém que viveu da adrenalina e emoção de um show ao vivo a maior parte da vida, parar de fazer isso. Para falar sobre isso e ainda sobre o novo álbum do Deep Purple, “Infinite”, de suas passagens pela banda de Paul McCartney, Whitesnake e até Velvet Underground, que batemos um papo descontraído com o simpático baterista Ian Paice.

O novo álbum, “Infinite”, vem obtendo resenhas extremamente positivas. A impressão que tenho é que a banda está cada vez melhor e continua a ser relevante. Me fale sobre como foi fazer esse álbum e ainda conseguir entregar tudo aquilo que se espera de uma lenda como o Purple.
Ian Paice: Bem, quando nos reunimos com Bob Ezrin (produtor) pela primeira vez há quatro anos (N.T.: para o álbum “Now, What?”) foi como uma injeção de ânimo para voltarmos a gostar de trabalhar no estúdio. Não posso dizer que entrar em estúdio foi algo que gostamos de fazer pelos últimos vinte anos. Foi algo que tínhamos que fazer e não que gostaríamos de fazer, por isso os intervalos longos entre os álbuns. Mas quando nos reunimos com Bob, se tornou um trabalho feito com amor e não apenas um trabalho. Assim que finalizamos o “Now, What?”, em 2012, a primeira coisa que dissemos um para o outro foi que deveríamos fazer isso de novo. Então, quando o momento pareceu apropriado, nos juntamos e nos divertimos muito no estúdio. Como a maioria dos bons álbuns, ele foi rápido de fazer. As ideias estavam lá, assim como a inspiração para tocar e, ainda, uma ótima voz na sala de controle nos avisando quando as coisas estavam certas e quando estavam erradas. Tudo foi tão calmo e passou tão rápido que foi um grande prazer.

Deep Purple, sempre relevante | Foto: Jim Rakete
Deep Purple, sempre relevante | Foto: Jim Rakete

Ainda falando sobre Bob Ezrin, ele pegou Kiss, Pink Floyd e Alice Cooper e os moldou ao redor dele. Qual o tamanho da participação de Ezrin na sonoridade da banda e o quanto é fruto da vontade de vocês de como as músicas devem soar?
Paice: (risos) Fica em algum lugar no meio das duas. Há uns cinco anos, Bob veio nos assistir ao vivo em Toronto (CAN) e foi quando conversamos sobre trabalharmos juntos. Ele disse que o que precisávamos fazer era entrar no estúdio e tentar captar o que fazíamos ao vivo. Ele disse: “Olha, não adianta tentar gravar um “Sgt. Pepper’s” (The Beatles) ou um “Pet Sounds” (Beach Boys), porque isso não são vocês. Mas o que têm ao vivo é tão especial que temos que tentar captar isso.” Uma vez que pusemos isso na nossa cabeça, percebemos que ele sabia do que estava falando. A gente entra no estúdio a cada quatro anos, mas ele vive em um 52 semanas por ano. Quando ele fala sobre estúdio deve se reverenciar o grande conhecimento dele, independentemente de há quanto tempo fazemos isso e quantos álbuns gravamos. Ele pediu para que compuséssemos as músicas e depois colocou tudo numa agenda bem programada. Duas semanas de pré-produção e depois imediatamente para a gravação. As músicas que tínhamos, mandamos as demos cruas para ele analisar e nos dizer do que gostou, o que não entendeu, o que odiou… de novo, era para isso que ele estava lá. Mas Bob é ele mesmo um ótimo músico, com uma grande mente musical e tem ideias sobre composição. Então, até certo ponto ele também entrou nessa parte. Quando chegávamos a um beco sem saída ele dava sugestões que abriam a porta de novo para o resto da música. De uma forma limitada, ele também participou do processo de composição. No estúdio, ele só queria captar nossa sonoridade da melhor forma possível. Quando sugere alguma coisa, não é só para ter sua voz ouvida, mas porque quer as coisas melhores. Você não precisa concordar sempre, mas começa a prestar atenção de que talvez esteja faltando algo e resolve os problemas que existirem.

Roger Glover (baixista) disse recentemente que álbuns são uma forma de arte em extinção e um desperdício de tempo e trabalho. Você concorda ou acha que não faz sentido?
Paice: Na verdade isso é uma generalização. Todo mundo sabe que a indústria fonográfica não é o que era há vinte anos e muito menos há quarenta. Naquela época, se você tivesse a sorte de ter um álbum de sucesso, era isso que comandava sua vida e você o fazia vender cada vez mais através de turnês. Agora é ao contrário, você ganha a vida no palco e faz álbuns para continuar produzindo novas músicas e deixar claro para as pessoas que você ainda existe. É uma inversão completa. Veja, muitos artistas agora não fazem mais álbuns. Eles lançam singles ou EPs porque o fato é que você ganha a vida no palco. Mas nós sempre fizemos álbuns. Houve singles, mas, ou fomos forçados a fazê-los ou eles saíram de álbuns. É isso que fazemos. A gente já faz isso há tanto tempo, com algum sucesso, que não vemos motivos para mudar. Mas, de modo geral, Roger tem razão, pois as pessoas não se envolvem mais com álbuns como antes. Não é uma crítica, é apenas um fato da vida, do mundo em que vivemos.

Penso que muito disso tem a ver com a experiência. Antigamente você comprava um vinil ou CD e tinha o encarte, a arte… hoje vai no itunes e tem… ar, nada físico! Falamos de Bob Ezrin e isso lembra Alice Cooper. Vocês estarão em turnê juntos nesse verão.
Paice: Não esqueça da Edgar Winter Band. Há também grandes músicos ali.

Sim!
Paice: Você sabe como ingressos para shows atualmente não são baratos. Logo, toda vez que vai se fazer alguma coisa é bom certificar-se que tudo que as pessoas vão ver vale à pena o dinheiro gasto. Colocar essas três bandas juntas, permite uma boa variedade de rock and roll e todas elas são ótimas. Alice Cooper é uma das bandas mais difíceis do mundo de se tocar depois. É um espetáculo tão grande no palco, que você tem que ter certeza de estar 100% toda noite e isso é um bom estímulo. Não dá para relaxar nem por um minuto. Nós já trabalhamos com Alice, não diria que somos amigos próximos, mas bons amigos, por nos vermos com certa frequência. Já tocamos com Edgar Winter também e nos conhecemos em um nível profissional. Essa tour deve ser bem tranquila. Todos vão fazer seu trabalho, acabar os shows na hora certa, como deve ser. E as pessoas envolvidas são muito legais, então em um nível social também deve ser muito legal. Estou ansioso para ela, será um grande prazer.

Deep Purple | Foto: Jim Rakete

As pessoas não se envolvem mais com álbuns como antes. Não é uma crítica, é apenas um fato da vida, do mundo em que vivemos” – Ian Paice

Você já tocou com pessoas muito talentosas por toda sua vida: Ian Gillan, Glenn Hughes, David Coverdale, mas o que pode falar sobre “Run Devil Run”, o álbum em que tocou com Paul McCartney? Afinal, Paul McCartney é Paul McCartney! (risos).
Paice: É isso mesmo (risos).

Não é? Há um nível e há um outro nível.
Paice: Foi mais ou menos essa sensação.

Como foi para você? Foi como qualquer outro trabalho ou pensou: “Meu Deus, é um Beatle!” Me fale um pouco sobre aquele álbum e aquela experiência.
Paice: (risos). Foi um pouco das duas coisas [um trabalho qualquer e trabalhar com um Beatle]. Tive o prazer de encontrar Ringo algumas vezes e George – que Deus o tenha – era um bom amigo. Eu não conhecia Paul. Recebi uma ligação que minha mulher atendeu e disse: “É do escritório de Paul McCartney.” Obviamente atendi e a pessoa perguntou: “Você está ocupado entre tal dia e tal dia?” Respondi que não e ela falou: “Paul vai fazer um disco de rock and roll, gostaria de tocar nele?” O que você responde a uma pergunta dessa? Você não vai falar “eu te ligo de volta”! Então disse que claro que tocaria. Eles me deram um pouco mais de informação sobre qual era o plano do álbum, que incluiria músicas simples de quando ele tinha 15, 16 anos. Me falaram quem mais estaria na banda, como David Gilmour (guitarra, Pink Floyd) que era amigo de Paul e há muito tempo, Mick Green (guitarra) que era uma lenda quando eu era garoto e Pete Wingfield (B.B. King, The Hollies) no piano. Uma banda bem legal. Nos reunimos numa manhã de segunda-feira e tudo estava montado como os Beatles montariam no estúdio 2 da Abbey Road. A bateria no mesmo lugar, os amplificadores de guitarra e baixo no mesmo lugar. Paul queria assim. Ele basicamente chegou com uma grande pilha de folhas com diferentes músicas. Tentávamos uma música, uma ou duas vezes, e se não desse certo, ele pegava outra folha. Foi tudo muito rápido, os arranjos e a gravação. E foi assim. Gravamos em cinco dias. Mas eu sei que se tivesse tocado mal na segunda, não estaria lá na terça (risos). Eu sabia que não era algo por um longo prazo, porque Paul gosta de mudar de uma coisa para outra rapidamente. Mas eu me diverti muito, fizemos uns shows para caridade muito bons e algumas aparições na TV. Eu aproveitei cada dia. Com certeza é algo bom de ter em seu currículo.

Outra coisa com essas características que gostaria de abordar é sobre o álbum do Velvet Underground, “Squeeze”. Me fale sobre ele, porque é um daqueles que são reverenciados e não quero dizer que é underground, mas Doug Yule (vocal, guitarra, baixo, bateria) é um gênio musical. Como foi isso?
Paice: Vou te falar uma coisa: é tão underground que eu nem me lembro de ter gravado. Eu só me dei conta disso há alguns anos atrás, quando alguém me disse que eu havia tocado no Velvet Underground. Não lembro de nada. Me explicaram que havia sido gravado em Nova York e aí uma luz se acendeu na minha cabeça. Lembrei que foi em 68 ou 69 (N.do T: não lembra mesmo, “Squeeze” foi gravado no outono de 72 e lançado em 73). Me ligaram dizendo que uns caras precisavam de alguém para uma sessão e como não estava fazendo nada, aceitei. Fui ao estúdio, conheci os rapazes, trabalhamos em algumas coisas, gravei, eles me pagaram o equivalente a uma sessão, nos despedimos e acabou. Não sabia que era o Velvet Underground, não tinha a menor ideia de quem eram aquelas pessoas. Há cinco ou seis anos alguém me falou sobre o álbum que eu havia gravado com o Velvet Underground. Eu disse que não lembrava de ter feito isso. Foi há muito tempo e foram apenas 3 ou 4 horas da minha vida. Ninguém me disse que era o Velvet Underground. Na época eu nem sabia que aquilo seria lançado. Me mandaram ouvir uma música e quando ouvi, soa mesmo como eu tocando, então provavelmente fui eu! (risos).

Você está olhando a Wikipedia e descobre que tocou em um álbum! Falemos de Ian Gillan. Ele se mandou com o Black Sabbath no início dos anos 80 e gravou “Born Again”. Quando você ficou sabendo disso e o viu no palco cantando “Paranoid” e aquelas músicas, qual foi sua reação? Aparentemente, ele fazia um bom trabalho, mas, no final das contas, era a voz do Deep Purple cantando Black Sabbath.
Paice: Sim. Mas você tem que lembrar que na época em que Ian saiu da banda, era um momento de turbulência. Ele não saiu porque ele queria, havia muita política ali. O que ele devia fazer? Ficar sentado na casa dele sem fazer nada? Se tivesse uma oferta para se juntar a uma banda bem sucedida é claro que ele ia aceitar. Foi correto? Foi a decisão certa? Dava para discutir isso. Mas você mesmo disse que ele fez um bom trabalho. Ozzy não estava lá, Ian estava. De novo, acho que ele nunca viu aquilo como um trabalho de longa duração. Para nós, trabalharmos com outras pessoas, é diferente. Quando trabalhamos no Purple, é como estar na sua casa, sua sala, sua cadeira, seu quarto, sua cama. Tocamos a nossa música. Com qualquer outra pessoa, tocamos a música deles. Então, você nunca se sente em casa, independentemente de o quanto bom seja. Mas isso também mostra as limitações das pessoas que podem fazer isso. Há grandes vocalistas e exímios instrumentistas por aí, mas está tudo muito genérico. É difícil diferenciar um do outro. E se tem uma coisa que toda aquela geração tem que é especial é a personalidade individual dos músicos e vocalistas. São todos fáceis de reconhecer. As pessoas gostam de saber quem está cantando. Portanto, acho que um desconhecido para aquele lugar no Sabbath em vez de alguém com uma voz conhecida, foi uma escolha fácil com Ian parado sem fazer nada.

Ian Paice | Foto: divulgação

Todos nós trabalhávamos muito duro e David [Coverdale] ficava com toda grana. Isso foi um pouco difícil de engolir, não percebemos na época, mas era isso que acontecia” – Ian Paice

O álbum, porém, foi muito criticado à época, mas olhando hoje, tem muita coisa boa ali.
Paice: Você pode fazer um grande álbum no momento errado e as pessoas vão ignorar e pode fazer um disco médio no momento certo e ele fica em primeiro lugar por um ano. Não há lógica nisso. Tenho certeza que se o “Sgt. Pepper’s” fosse lançado hoje seria ignorado, pela forma como o mundo está. Independentemente do quão bom fosse, porque a qualidade não iria mudar, mas o mundo em que estaria inserido é totalmente diferente. O timing é muito importante. Eu lembro quando estava no Whitesnake e fomos fazer uma turnê americana. Nessa época era o Whitesnake inglês. Uma grande banda, mas no selo errado, hora errada, empresário errado, tudo errado. Fomos um fracasso. Nada a ver com a banda, mas tem a ver com todo um conjunto em que você está quando faz as coisas. Quando dizem que há muito de sorte envolvida nesse negócio, é sério. Há muito de sorte mesmo.

E isso me leva à minha próxima pergunta: o álbum “Saints and Sinners”, do Whitesnake. Há grandes músicas ali, como “Cryin’ In The Rain”, “Here I Go Again” e minha favorita pessoal, “Dancing Girls”, que infelizmente nunca foi tocada ao vivo. As duas primeiras, quando lançadas em 1982, fizeram um sucesso moderado e em 1987 foram um enorme sucesso. Fale sobre esse disco e dos outros que fez com David (Coverdale) porque era mesmo um Whitesnake diferente, mas era tipo um Whitesnake mais musical, com momentos fabulosos.
Paice: Sim, quando David pediu para que entrasse na banda, assim que David “Duck” Dowle saiu, eu estava sem fazer nada de novo. Meu problema com o Whitesnake era porque eles continuavam usando esse nome. Deveria se chamar David Coverdale Band porque era isso, independente de qualquer coisa. Eu já sabia disso quando entrei, mas… como dizer isso sem soar ressentido? Olha, todos nós trabalhávamos muito duro e David ficava com toda grana. Isso foi um pouco difícil de engolir, não percebemos na época, mas era isso que acontecia. Eu não o culpo por isso e nem ligaria que fosse assim se o nome nos cartazes fosse só o dele. Para mim não era grande coisa, pois ainda tinha renda entrando da época do Deep Purple, então algumas centenas de dólares a menos não fazia diferença. Mas alguns dos outros caras estavam apenas começando e não acho que eles foram tratados tão bem quanto deveriam. Mas a banda em si era ótima e foi muito divertido. O ano e meio, dois anos mais divertidos de toda minha carreira. Foi uma longa e absurda festa e olho para isso com muito carinho, só pela diversão dentro e fora dos palcos.

E isso também diz muito da importância da marca sobre a banda, porque o Deep Purple também trocou muito de integrantes ao longo dos anos e o nome ainda faz os shows ficarem lotados. O mesmo com o Whitesnake. As pessoas gostam de diminuir o Kiss dizendo que com a troca de dois integrantes não é mais o Kiss, mas o Whitesnake teve umas 87 pessoas (risos).
Paice: (risos) Verdade. No fim das contas, pode não ser muito artístico, mas você se torna parte uma marca. Isso não tem nada a ver com o artista, mas com a percepção do público. É claro que os muito fanáticos vão saber tudo sobre todos os integrantes, o nome dos filhos, o que comem de café-da-manhã. Mas esses são 1 em 1000. Os outros 999 são fãs casuais. E tudo que eles querem ouvir são as músicas que conhecem. E se dois caras são diferentes, eles nem ligam. Desde que soe igual e o espírito seja o mesmo, eles gostam do mesmo jeito. E uma vez que entende isso, percebe que o nome da sua banda é maior que qualquer um. É assim que as coisas são. E se tiver a sorte de ter uma marca de sucesso associada a você, nunca a diminua.

Não, e acho que Gene Simmons estava certo quando disse que prefere ser uma marca a uma banda.
Paice: Sim, mas todos nós abordamos isso de forma diferente. Gene é um cara muito esperto, mas um burro também. Eu não sou assim. Não sou idiota, mas entendo que são as músicas e o espírito do que você faz no palco que mantém a nome da marca importante, porque se você não cria aquilo toda noite, a marca se torna menos importante para as pessoas.

Ian Paice | Foto: divulgação

Acho que após o “Perfect Strangers” ficamos um pouco confusos tentando ser algo que não éramos” – Ian Paice

Em 1984, vocês entraram em estúdio e gravaram “Perfect Strangers”, um álbum que demorou nove anos para ficar pronto. Como foi a pressão ao entrar no estúdio, compor essas músicas e fazer, basicamente, um álbum perfeito?
Paice: Não havia pressão. E você mencionou os nove anos, mas foram alguns meses, porque durante esse período todos nós lançamos outras coisas com outras pessoas. Havia a chance de que nunca mais trabalhássemos juntos de novo. Era algo sobre o que pensávamos e nos preocupávamos, não gostaríamos que acontecesse, mas seguimos a vida. Em 1984, quando decidimos que valia à pena tentar de novo e começamos os ensaios, em cinco minutos foi como se aquele período de 9 anos jamais tivesse existido. Todo mundo se entrosou na hora e as ideias começaram a surgir. Sabe o modo como se fazia edição? Que você cortava um pedaço de fita com uma lâmina e colava depois? O pedaço que você cortava foram esses nove anos. Foi tudo muito natural, sem pressão nenhuma. Nós nem pesávamos nisso. Só estávamos juntos de novo e nos divertindo. Esse era o sentimento geral. Depois que gravamos, vimos que tinha ficado bom, não havia nada sobre o que ficar apreensivo. E quando vimos as reações sobre a turnê que ia acontecer, achávamos que ia dar tudo certo e tínhamos razão.

E tinham mesmo. Em termos musicais, vocês achavam que precisavam fazer um álbum do Deep Purple, ou vendo como estava a cena com Culture Club e Duran Duran e todas essas que estavam na MTV na época, pensaram em deixar o som mais moderno? Como estava a mentalidade de vocês musicalmente?
Paice: Não mesmo, não. Durante toda nossa carreira, pensamos em fazer música exatamente da mesma forma. Acho que após o “Perfect Strangers” ficamos um pouco confusos tentando ser algo que não éramos. Mas naquela época fizemos exatamente da mesma forma de sempre, tivessem passados nove ou vinte anos. Da mesma forma que fazemos hoje. Entramos no estúdio, tocamos como uma banda ao vivo, com tudo de bom e ruim que isso lhe proporciona. Quando se pega uma fita de quatro caras tocando ao vivo, nem sempre será perfeito, mas, por causa disso, é perfeito. Se você usa essas técnicas mais modernas de gravação e diminui isso, você tem a perfeição, mas frequentemente estéril, sem nenhuma conexão com o lado humano. Então fizemos tudo da mesma forma, sem tentar ser parte do que acontecia no rock and roll, que honestamente, não gostávamos. Logo, por que nos preocuparíamos com isso? Sabíamos que ainda tínhamos um enorme público esperando pelo tipo de rock que fazíamos. Então, jamais nos ocorreu de tentar atualizar ou modernizar o som. Não conseguiríamos fazer isso nem que quiséssemos e não queríamos.

“Infinite” é o último álbum ou ainda espera voltar ao estúdio com Bob Ezrin, ou qualquer outro…
Paice: Durante a promoção para esse álbum e a próxima turnê, nenhum de nós usou a palavra último. Mas há alguns sinais de aviso. A turnê chama-se “The Long Goodbye” (N.T.: “O Longo Adeus”) o que deve te dar uma dica. Quanto tempo vai durar? O tempo que conseguirmos. Se for dois anos, ótimo, se for três, melhor ainda. Mas essa será a última grande turnê mundial e quando quer que acabe precisaremos de um descanso e umas férias longas. Depois disso, provavelmente ligaremos um para o outro para perguntar o que cada um quer fazer. Já deu? Quer parar? Ok. Fazer um novo álbum? Sim, por que não? Tocar por quatro ou cinco semanas no ano que vem? Por que não? Nós nunca usamos a palavra último, porque é algo bem assustador para os três de nós que estamos fazendo isso por quase cinquenta anos. Não dá para fechar a porta nessa parte da sua vida assim. Sabemos que a porta está fechando, estamos mais perto do fim do que do começo, mas a porta ainda não está fechada. Não dá para sair em turnê da mesma forma que fazíamos no passado. Exige demais. Gosto de pensar que gravaremos mais um álbum em três ou quatro anos, enquanto ainda estamos em pé e aptos a fazer o que fazemos. Ou, no fim da turnê vou dizer: “Foi ótimo, mas já deu.” Mas todo esse lance de planejar o último show, no último dia, na última cidade, isso é assustador. Pode ser que a gente perca um cheque gordo [não fazendo um último show], mas emocionalmente não conseguiríamos lidar com isso. Todo o processo até uma última apresentação seria muito, muito difícil.

Capa do álbum "Infinite", do Deep Purple

Nós nunca usamos a palavra último, porque é algo bem assustador para os três de nós que estamos fazendo isso por quase cinquenta anos” – Ian Paice

Sempre gosto de lembrar que o The Who fez uma turnê de despedida em 1981 (risos).
Paice: Sim, o que acontece é que você não se aposenta de algo que gosta, que lhe dá prazer. Você só tem consciência que chegará um dia em que fisicamente não conseguirá fazer no nível que gostaria. E não há a menor condição de subirmos em um palco e sermos uma sombra do que deveríamos ser. Enquanto ainda pudermos fazer, faremos, desde que os fãs continuem aparecendo. Quando chegar ao ponto de que não quisermos ou não pudermos fazer, aí é o fim. Mas não vamos programar, porque ninguém quer parar mesmo. Porém, sabemos que vai acontecer.

É mais complicado para você por ser o baterista? Você tem partes mais cansativas! (risos). Sempre falamos do vocalista e a voz, a voz, a voz… mas o baterista também sofre.
Paice: Sim, a diferença da voz é que ela envelhece junto com o corpo e é uma coisa muito frágil. E ela muda. Pela vida, sua voz fica mais grossa, com timbre mais grave e para um vocalista isso significa que alguma daquelas notas altas que você costumava alcançar, não estão mais lá. E algumas baixas que nem existiam no seu alcance, agora estão presentes. Uma vez que o vocalista entende isso, ele aprende a adaptar. Como um instrumentista, desde que sua habilidade ainda exista… Em teoria, quanto mais você faz uma coisa, melhor você fica nela e eu hoje sou mais eficiente. Vejo vídeos de quando tinha vinte anos e vejo como trabalhava duro, mas que metade do trabalho era ficar balançando meus braços no ar, sem fazer barulho nenhum. E a única coisa que importa é quando a baqueta atinge a pele ou o chimbal. Então é só nisso que me concentro agora. Logo, se tenho que fazer shows duas noites seguidas, eu consigo, apesar de ficar muito cansado. Se fizesse dois shows tocando da mesma forma que tocava com vinte anos, seria muito difícil.

Eu seria relapso se não falasse sobre uma coisa. Na minha opinião, um dos melhores álbuns do Deep Purple é o “Burn”. Tudo nele é ótimo: as músicas, a gravação e ter David Coverdale e Glenn Hughes… você poderia falar sobre ele e o que significa na carreira da banda?
Paice: Em geral, a minha memória de Burn é que estávamos ensaiando a música várias vezes e ficávamos empacados em uma parte. Quando chegou nessa parte de novo, eu estava de saco tão cheio que resolvi fazer um solo. Aí todos olharam para mim e disseram: “Isso é ótimo, faça de novo!”. Então, aquele solo veio do meu tédio. Isso abriu uma porta e aí foi só questão de tocar no estúdio. Gravamos em três takes. Foi nesse nível de tentativa e erro.

Obrigado pelo papo. Devo dizer que “Infinite” é ótimo, muito bem feito, bem composto, a capa é espetacular. Parabéns.
Paice: Obrigado, temos muito orgulho dele espero que as pessoas gostem de ouvi-lo tanto quanto gostamos de fazê-lo.

Deep Purple: Roger Glover, Ian Gillan, Don Airey, Steve Morse e Ian Paice | Foto: Jim Rakete
Deep Purple: Roger Glover, Ian Gillan, Don Airey, Steve Morse e Ian Paice | Foto: Jim Rakete

Transcrito e traduzido por Carlo Antico.

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